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5 de out. de 2009

A Rainha e o TCC

Eu tinha planejado escrever o primeiro post com uma explicação do porque de eu ter escolhido a carta da Rainha de Espadas para nomear o blog. Mas estou na etapa final da produção do meu TCC, e não consigo pensar em mais nada. É sobre ele que eu vou escrever então.

O trabalho de conclusão de curso de jornalismo é uma das poucas coisas bacanas que tive que fazer durante toda minha vida universitária. Isso porque temos liberdade para escolher qual o tema do projeto e qual a mídia. (tv, rádio, foto, jornal, etc).

Meu grupo decidiu fazer um livro de fotojornalismo com fotografias das mulheres cortadoras de cana aqui da região de Araraquara. Esse fim de semana fomos concluir a produção das fotos e fazer algumas entrevistas. Entramos na casa de uma família e fotografamos toda a rotina da cortadora; o preparo do café da manhã e da marmita, ela se vestindo, o marido acordando um pouco mais tarde. (ele só acorda, se veste e toma café. A marmita e a bolsa dele já estão prontinhas, graças à esposa).

Entrevistamos uma senhora de 74 anos que cortava cana. Durante a entrevista, ela não sentou um minuto. Andava para lá e para cá, trazia bolachinhas e refrigerante pra gente, e ria. Exemplo de mulher, ela. Nunca pisou em uma faculdade, nunca defendeu uma tese, mas conversar com ela era mais inspirador do que conversar com a maioria dos meus professores. Uma mulher sábia, que dá valor à vida, não se queixa.

Eu tenho lido sobre a carta da Rainha de Espadas porque me sinto atraída por ela. Li que ela fala de solidão, uma certa frieza, uma face intelectual e estrategista. Essas coisas não são tão evidentes nas cortadoras de cana. Elas são mulheres vaidosas, cheias de amigos. No entanto, olhando as fotos agora mais atentamente, percebi que a cortadora de cana pode sim, e muito bem, representar a Rainha de Espadas. Ela é uma mulher guerreira, independente. Luta pela sua sobrevivência.
No Tarô Mitológico de Liz Greene e Juliet Burke, a Rainha de Espadas é representada pela rainha mitológica Atalante, a caçadora. Seu nome significa "Indomável" e ela é filha de um rei, Íaso, que não queria filhas. Ele abandonou-a e a deusa caçadora Ártemis a protegeu. Assim como a deusa, Atalante andava pelos bosques armada. (o que lembra as cortadoras de cana, que andam pela plantação com o facão) A Rainha de Espadas é virtuosa e leal, capaz de suportar sofrimentos sem se abater.
Comparando a carta e a vida dessas mulheres, podemos encontrar as semelhanças. Elas não cursaram nenhuma faculdade, mas são donas de uma sabedoria que conquistaram ao longo da vida, trabalhando duro. E talvez a solidão e frieza delas seja interna, resultado das injustiças que sofreram na vida. Por fora são alegres (em todas as entrevistas que fizemos, elas se mostram alegres, felizes), mas o que elas sentem e pensam quando estão sozinhas, durante o corte da cana, longe dos filhos e do marido?

Além disso, como a Rainha de Espadas, que mostra características geralmente associadas aos homens, as cortadoras estão inseridas num mundo tipicamente masculino; exercem um trabalho braçal, duro, que exige força física, resistência. Esse trabalho é o oposto do que a sociedade associa às mulheres, como a delicadeza, a fragilidade, o depender de homens para esforço físico. No entanto, ouvimos relatos de que muitas mulheres cortam mais cana que os homens! Posso dizer que para mim, elas são todas rainhas.
Foto: Cristian Paiutta.
Ele está participando do concurso "África em Nós" com algumas fotos desse projeto. Acesse http://www.africaemnos.com.br/ , digite Cristian Paiutta, e vote!

Um comentário:

  1. Faz tempo que não lia um bom texto sobre nosso trabalho. Você me remeteu ao foco do tema, me colocou novamente dentro do assunto e de uma forma tão simples, que não tenho palavras para lhe agradecer.

    Parabéns pela forma surpreendentemente simples de mostras seu trabalho que tanto admiro e respeito.

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